A China parece ser a formiga do mundo ao ter praticamente triplicado o seu stock de cereais em apenas doze anos, armazenando, no biénio 2020/21, 450 milhões de toneladas de cereais. Um crescimento exponencial face às cerca de 180 milhões de toneladas que armazenava em 2007/08 e nada comparado ao resto do mundo, que mantém as suas reservas relativamente estáveis entre os dois períodos. Em segundo lugar, os EUA mantêm 100 milhões de toneladas de cereais de reserva para 2020/21, seguindo-se a Índia e toda a União Europeia, que cada uma mantém cerca de 50 milhões de toneladas de reserva de cereais.

Este é um dos dados apresentados no mais recente relatório da FAO, ‘Food Outlook’, que analisa o mercado agroalimentar no mundo, mostrando as oscilações e incertezas que existem atualmente decorrentes da pandemia da COVID-19.

O braço da alimentação da organização das Nações Unidas vem dizer que esta pandemia ameaça o mercado global da alimentação, prevendo-se muitos meses de incerteza, com quebras acentuadas na produção de alguns alimentos e o difícil escoamento de outros, embora alguns até subam, como é o caso dos cereais.

GRÁFICO: Comparação de evolução de stocks entre 2007/08 e 2020/21

China: a formiga do mundo que quase triplicou as suas reservas de cereais
créditos: FAO

Neste caso, a última previsão da FAO sobre o comércio mundial de cereais em 2020/21 tem valores históricos: 435 milhões de toneladas. O total corresponde a um aumento de 2,1% em relação aos níveis de 2019/20. A nova estimativa revela ainda que a reserva mundial de cereais até ao final de 2021 deverá subir mais dois milhões de toneladas, para 929 milhões de toneladas. Porém, a distribuição não é equitativa e prevê-se que vários países vão precisar de auxílio alimentar, nomeadamente em África, Médio Oriente e, na América do Sul, a Venezuela.

Falta camarão e salmão. Carne e lacticínios caem ligeiramente

Quanto aos restantes alimentos, a FAO ressalta a quebra acentuada no mercado de peixe e frutos do mar, sobretudo salmão e camarão. A pandemia levou frotas de pesca a suspenderem as suas atividades e produtores do setor de aquicultura a reduzirem a produção e stocks.

A pandemia deve afetar, de forma severa, segundo a FAO, a produção global de salmão e de camarão devido ao atraso na reabertura do seu cultivo. A produção de salmão pode cair até 15%, sendo que a expectativa de queda na Índia é de até 40%.

Diz ainda o relatório que, simultaneamente, a procura global por camarão fresco e congelado está a diminuir significativamente. «A pandemia da COVID-19 continuará a infligir grandes danos aos mercados de peixe e de frutos do mar, especialmente nos produtos frescos e espécies populares nos restaurantes», pode ler-se no relatório.

China: a formiga do mundo que quase triplicou as suas reservas de cereais
créditos: Pixabay

Já a produção global de carne deve cair 1,7% este ano por causa de doenças animais, as interrupções do comércio causadas pela COVID-19 e os efeitos a longo prazo de secas em várias partes do mundo. A queda mais acentuada ocorreu com as carnes ovinas, seguidas do frango, do porco e da carne bovina, por causa dos impactos das medidas para conter a pandemia. A falta de transporte e outros fatores encalharam muitas peças nos mercados.

Não obstante as perturbações do mercado causadas pela pandemia que assola o mundo, a produção mundial de leite está a mostrar resiliência, com sinais de que possa até crescer 0,8% em 2020. No entanto, as exportações mundiais de laticínios devem contrair 4% devido à fraca procura de importação.

Mundo mais resiliente

O relatório dedica uma área especial à comparação entre a atual crise causada pela COVID-19 e a crise de 2007-2009, examinando os impactos atuais e prováveis ​​da pandemia, com foco nos mercados internacionais de alimentos.

Os analistas concluem que, comparado à crise global de preços de alimentos em 2007-08, o mundo está a sair-se melhor agora, pois as perspetivas globais de produção de alimentos são positivas, os stocks na generalidade estão bem, os preços internacionais de alimentos são baixos e o comércio é mais amplo, com mais países importadores e exportadores. Além disso, os formuladores de políticas agora têm mais experiência em lidar com crises globais, bem como estão mais bem informados e preparados.

No entanto, embora globalmente haja comida suficiente para todos, o declínio significativo do crescimento económico devido à pandemia tem impacto no acesso a essa mesma comida, limitando a capacidade de muitas pessoas obterem comida suficiente ou nutritiva, especialmente em países já atingidos por fome e por outras crises antes mesmo da COVID-19.